Eu sou o leão de cada dia que preciso matar

abril 3, 2019

Por acaso você já ouviu aquela expressão “matar um leão por dia”? Pelo que entendo, a expressão significa vencer ou encarar os problemas de cada dia, um dia por vez. E qual é o meu maior problema senão eu mesma?
Tenho plena convicção que, se não fosse por mim, seria santa. Se, por alguma razão, tirassem minha consciência do meu corpo e este tomasse a essência pura que Deus colocou em si, sem minhas complicações, eu e Ele já seríamos um. Mas como isso não é mais do que um devaneio, sei que preciso chegar lá da forma mais difícil: lutando contra os meus maus impulsos, dia após dia. E é assim mesmo, devagar, por amor, sabendo que não estamos sozinhos. Quando a alma corta um pouquinho só que seja de suas más raízes, já pode respirar fundo sendo mais livre para aceitar a graça de Deus que a ajudará com o resto do processo. E se a pedimos com humildade e sinceridade, ela sempre vem.
Aqui é como gosto de visualizar, e já usei essa analogia antes: somos um grande bloco de mármore rústico. Vendo-o de fora pode parecer impreciso e talvez até traga à tona um sentimento de desesperança. Mas isso muda quando contemplamos o resultado de anos de esculpimento em belíssimas obras, como Pietà, de Michelangelo, ou A Virgem Velada, de Giovanni Strazza. Acredito que o resultado final dessas obras é equivalente à essência colocada em nós por Deus, e só podemos verdadeiramente alcançá-las se formos submissos e nos permitirmos ser esculpidos. E é assim que se dá esse esculpimento: devagar, com pequenas marteladas que, depois de certo tempo, transformam a pedra bruta em bela obra. Os santos da Igreja são exemplos de pedras brutas que, pela graça de Deus, tornaram-se esculturas tão belas que até hoje nos fazem dar graças a seu Autor. Todo o mármore extra a ser retirado vem do pecado original; das nossas más raízes e impulsos que estimulamos durante toda as nossas vidas.

“A santidade ‘grande’ está em cumprir os ‘deveres pequenos’ de cada instante.”

São Josemaría Escrivá, em Caminho


Todas as vezes que sentimos fome, comemos. E ouso dizer que não aquilo que nosso corpo precisa, mas o que nos trará prazer. E não somente a quantidade necessária, mas aquela que nos satisfará mais. Para evitar o silêncio, ligamos as músicas, os programas de televisão, ou logo tratamos de nos ocupar. Ao vermo-nos diante de conversações que nos deixam desconfortáveis, logo fazemos questão de as cortar. Ao nos depararmos com alguma ordem que nos afete, tentamos desmerecê-la, mesmo que venha de Deus. Se alguém nos adverte, logo orgulhosamente nos ofendemos e começamos a nos defender como se fossemos santos. Se temos a chance de sentir algum prazer ou satisfação, a perseguimos, mesmo que cause a destruição de nossas almas. E entendendo que o contrário da virtude é o vício, vemos claramente que a cada dia mais sufocamos as nossas almas por darmos à nossa carne o que quer, criando um monstro mimado que toma de nós a soberania de nós mesmos.
A primeira e mais importante das virtudes a pedir é a humildade. Precisamos a todo tempo ter em mente que nada somos e que nada podemos, e que sem a ajuda de Cristo, logo nos apressamos em traí-lo. Este que nada merecia sofrer, aceitou nossos pecados e foi crucificado como ladrão, humilhado por seus filhos sem defender-se mesmo sendo o Senhor. E nós, que somos pequenos como grãos de areia, se vemos alguém mexer na nossa imagem, logo nos chateamos. Somos tão orgulhosos! E nenhum desses pode alcançar o Reino dos Céus, criado para os humildes de coração.

“Não julgues nada pela pequenez dos começos. Uma vez fizeram-me notar que não se distinguem pelo tamanho as sementes que darão ervas anuais das que vão produzir árvores centenárias.”

São Josemaría Escrivá, em Caminho


Tudo o que temos e somos devemos a Deus e, se nos salvarmos, será por Sua misericórdia – que é imensa. Pela bondade do Salvador e pelos méritos da morte de Seu Filho, temos hoje chances! Reconhecemos que as ganhamos como um presente de um Rei boníssimo a um pobre que nada fez para merecer, mas que ganhou o amor e a afeição do Rei. Ah, que bondade! Ele, que é perfeito e soberano, olha para a nossa pobreza e nos ama, mesmo que tantas vezes o tenhamos traído. E isso simplesmente por reconhecermo-nos como pobres que somos, e darmos graças Àquele que é grandioso e que, sem nenhum esforço de nossa parte, como os pais aos filhinhos, nos ama. E esse amor se estende por toda a Terra e o universo, capaz de nos perdoar e nos acolher mesmo que tenhamos sido tão ruins.
Para adquirirmos as virtudes que estão diretamente ligadas à liberdade verdadeira e ao controle de nós mesmos, Santa Teresa D’Ávila nos recomenda uma boa saída: aprendermos a mortificar nossas vontades em todas as coisas. Se entendêssemos o quão corruptos nossos desejos são, seria claro que precisamos evitar segui-los, mesmo quando não nos parecem maus. É que a nossa carne, tentada a nos afastar da verdadeira plenitude espiritual, nos atrai para aquilo que nos trará preenchimento momentâneo, mas nenhum alimento sólido e saudável para a nossa alma. Li em algum lugar recentemente que nós acreditamos que dando a nosso corpo e mente o que querem alcançaremos a felicidade almejada, mas a verdade é que somente quando negamos nossos desejos é que alcançamos a paz que o nosso espírito precisa, porque tomamos controle sobre a nossa carne em vez de sermos escravizados por ela.
Se pudessem, as criancinhas comeriam somente aquilo que as traz prazer: doces, chocolates, massas, hambúrgueres… mas ao crescer, aprendemos que nosso corpo precisa de alimentos saudáveis e estes nem sempre nos trazem prazer e conforto, mas nos nutrem. E assim também com os pequenos prazeres e confortos: dizendo não a estes pequenos, fortificamos nossas almas e nos tornamos capazes de vencer também as grandes tentações. Uma carne que não luta contra as pequenas inclinações, não terá forças de lutar contra as grandes.

“As tuas grandes covardias de agora são – é evidente – paralelas às tuas pequenas covardias diárias. ‘Não pudeste’ vencer nas coisas grandes, porque ‘não quiseste’ vencer nas coisas pequenas”

São Josemaría Escrivá, em Caminho


Guardemos isso no coração quando vierem as situações delicadas, as situações que nos tiram a paciência, as atividades indesejadas, as tarefas que não queremos cumprir, os desejos do paladar, as ofertas de distrações, as nossas escolhas de prioridades, e por aí vai. Tantas são as coisas do dia a dia que nos afastam da perfeição sem que percebamos. Mas é assim mesmo; a cada dia novamente colocamos uma lanterna sobre as nossas imperfeições e percebemos novos passos que precisamos dar. Isso pode, à primeira vista, nos desencorajar; mas lembremos que a graça de Deus nos socorre quando realmente a desejamos, e que somente olhando para nosso interior conseguimos enfrentar nosso mármore e saber onde as marteladas dolorosas precisam bater, para que finalmente cheguemos à escultura perfeita que podemos ser nEle. Arregacemos então as mangas e comecemos assim o novo dia: abertos à misericórdia de nosso Pai amado que nos alcança, e permitindo que ela nos ajude a reconhecer e a vencer este leão de cada dia que levanta da cama conosco.

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  • Vivian Campos
    abril 3, 2019 at 4:30 pm

    Que texto!!!! Muito obrigada!

  • Nathália Miranda
    abril 3, 2019 at 7:24 pm

    Que a Virgem lhe conceda muitas graças nesse apostolado, amada! Que o Santo Espírito de Deus lhe capacite cada vez mais para ser o que Ele deseja!

  • Cláudia Goliver
    abril 3, 2019 at 7:26 pm

    Belíssimo texto, principalmente os parágrafos finais foram os que mais gostei. Deus lhe abençoe. Salve Maria.

  • Nina
    abril 3, 2019 at 7:55 pm

    Texto maravilhoso!! Muito rico e que faz pensar!!
    Que Deus te abençoe sempre mais e te inspire! Grande abraço!

  • Gilsomar Pereira dos Santos
    abril 3, 2019 at 9:03 pm

    Texto muito profundo, como sempre me ajudou muito. Obrigado, que Deus sempre te abençoe.

  • Giovanna
    abril 4, 2019 at 2:06 am

    “Uma carne que não luta contra as pequenas inclinações, não terá forças de lutar contra as grandes.”
    Sim, exatamente!!
    Se eu não posso renunciar a minha vontade de comer algo, do que eu seria capaz de renunciar?

  • Rodrigo
    abril 6, 2019 at 11:42 am

    O texto é muito bom, mas me chamou a atenção o quão bem você escreve.

  • Rodrigo
    abril 6, 2019 at 11:43 am

    Excelente texto! Me chamou a atenção a qualidade do seu texto.

  • Lucas Corte
    abril 6, 2019 at 3:00 pm

    Nunca pare de escrever. Aproveite este dom belíssimo que Ele lhe concedeu. Parabéns!

  • Raquel Lira Albuquerque
    maio 14, 2019 at 11:33 pm

    Nathalia, como sempre, ajudando às alminhas que encontra, com esse dom maravilhoso que Deus lhe permitiu ter ❤ que Ele te abençoe muito!