O adeus que se aproxima

Escrevo esse texto sentada numa cadeira que faz parte do meu dia a dia há dois anos, e que em menos de um mês já não fará mais. Tomo café da manhã, almoço e janto com pessoas que hoje são parte da minha vida, mas que logo desaparecerão por um bom, bom tempo. O clima de despedida se aproxima novamente e não há o que possa ser feito senão apreciá-lo e deixar registrada a marca da minha gratidão.

Há dois anos eu me preparava para a decisão mais difícil que havia tomado até então. Estava paralisada de medo e já fitava tudo ao meu redor com a máxima atenção, para guardar no fundo da memória todos aqueles cenários, gostos e sorrisos que logo me deixariam. As placas da rua, o caminho para casa, o pôr do sol do banhado, os olhos da minha irmã, o calor do abraço do homem que eu amava. E, quando vi, era só eu. Deixava para trás todas as minhas definições de casa e adentrava o corredor gelado do avião. Sozinha.

Nessas últimas semanas repito os mesmos processos. Guardo com cuidado o molhado dos beijos das criancinhas que se tornaram minha família, o sabor dos meus novos pratos favoritos nos meus novos restaurantes favoritos, o caminho que faço todos os dias para voltar para a minha definição atualizada de casa, a forma que decorei o espaço que me deram para chamar de meu, as famílias que hoje tenho como minhas… e é assim que sigo. Convencendo a mim mesma que, mais uma vez, sairei inteira da mudança, pois nunca fui a minha própria força. E Aquele que me recarrega realiza todas as coisas com perfeição.

Quando penso em como era a minha vida há dois anos, sou preenchida de nostalgia, alívio e, também, um pouco de dor. Metade das pessoas que faziam parte dos meus dias já não querem ouvir o meu nome, e metade das coisas que eram importantes para mim passaram a ser insignificantes. Em contrapartida, grande parte dos meus medos e imaturidades já não me acompanham mais na jornada; estou hoje mais próxima da mulher que esperava ser quando o intercâmbio chegasse ao fim. Também, de presente, ganhei uma melhor noção de quem são as pessoas que realmente estão ao meu lado, e de que Deus será sempre o único indispensável em todas as situações.

Antes de viajar, ouvi alguém dizer que o processo “me quebraria por inteira e me reconstruiria”. Não sei se dei muita atenção ao que disseram, mas seja lá quem foi que o disse, estava certo. Fui mesmo quebrada em pedaços pela vida muitas vezes e reconstruída. Aprendi a lidar com as minhas desculpas, a enfrentar os meus limites, a sair do meu ponto de conforto, a valorizar o que eu tenho, a amar as minhas raízes e a construir novas. Não digo que saí do colo dos meus pais porque este já não tinha há muitos anos, mas passei a acolher a realidade de que hoje sou a mulher responsável por consolar os choros alheios e por limpar a sujeira, e serei santa se o fizer com amor.

Grande parte do que sou hoje devo aos últimos dois anos da minha vida. Foi bem na primeira semana que conheci a minha amada Saint Theresa Catholic Church, a paróquia mais especial que existe nesse mundo e que terá o meu coração para sempre. Ali encontrei a beleza de uma missa – seja ordinária ou tridentina – celebrada com amor, zelo, respeito; acompanhada pelo órgão e cantada por um coral de criancinhas e adultos que elevam o meu coração todos os domingos. Ali pude ter um contato indescritível com a Igreja de Cristo, Católica Apostólica e Romana. Me vi apaixonada a ponto de querer morrer por ela, ao mesmo tempo que senti a dor pesadíssima de quão triste é a realidade do Catolicismo no Brasil, tão machucado e deturpado pelos seus e pelos invasores que tentam destruí-lo de dentro para fora.

A beleza e a tradição despertaram em meu coração enferrujado um amor por Deus e por Sua Igreja que ainda não conhecia, e embora ainda conheça tão pouquinho, são estes o meu sustento em mais uma despedida que se aproxima. A cada domingo ali pude visualizar, pelo zelo e pelo amor daquelas pessoas, os anjos e santos que se unem em oração conosco para louvar o Criador. Não consigo expressar o quanto sentirei falta desse lugar tão especial. Porém, mais do que me afogar em minhas próprias pequenas dores, continuarei a rezar para que as paróquias do meu amado país possam retornar ao verdadeiro Catolicismo, e que mais irmãozinhos possam se apaixonar assim como me apaixonei.

Manterei em minha memória todos os lugares que passei, as pessoas que conheci, as culinárias que provei, as lições que aprendi, os tombos que levei, e também os cantos da casa e da cidade nos quais me acomodei para ler os livros que me ajudaram tanto no processo. Hoje sou consolada pela honra de poder unir essa pequena cruz que se aproxima à cruz imensa e sangrenta do nosso Senhor Jesus, responsável por trazer vida para todos nós. Muitas vezes não seremos nós que as escolheremos, mas elas chegarão e o nosso coração estará pronto se confiarmos que o bom Deus nunca falha ou nos abandona.

Tenho tanto a agradecer a Ele que mal consigo pôr em palavras. Por ter me ajudado a vencer muitos dos meus medos e inseguranças, por ter me apresentado a tantas pessoas maravilhosas – inclusive o homem com o qual pretendo me casar; por ter me dado uma segunda e terceira família sabendo do quanto precisava delas, por ter me acolhido e me conduzido a tantos lugares maravilhosos, onde Sua presença reina; por ter me tomado no colo quando a vida parecia difícil demais, por ter protegido os meus enquanto eu estava distante, e também pelo doce conforto que se aproxima, diante de mais um adeus.

Obrigada, meu Jesus. Metade do meu coração sempre estará em outro continente, mas nunca estarei sozinha. Seu amor me acompanha em todas as milhas e quilômetros que percorro.

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