A Cadeira de Prata

“Uma palavrinha, dona – disse ele, mancando de dor -, uma palavrinha: tudo o que disse é verdade. Sou um sujeito que gosta logo de saber tudo para enfrentar o pior com a melhor cara possível. Não vou negar nada do que a senhora disse. Mas mesmo assim uma coisa ainda não foi falada. Vamos supor que nós sonhamos, ou inventamos, aquilo tudo – árvores, relva, sol, lua, estrelas e até Aslam. Vamos supor que sonhamos: ora, nesse caso, as coisas inventadas parecem um bocado mais importantes do que as coisas reais. Vamos supor então que esta fossa, este seu reino, seja o único mundo existente. Pois, para mim, o seu mundo não basta. E vale muito pouco. E o que estou dizendo é engraçado, se a gente pensar bem. Somos apenas uns bebezinhos brincando, se é que a senhora tem razão, dona. Mas quatro crianças brincando podem construir um mundo de brinquedo que dá de dez a zero no seu mundo real. Por isso é que prefiro o mundo de brinquedo. Estou do lado de Aslam, mesmo que não haja Aslam. Quero viver como um narniano, mesmo que Nárnia não exista. Assim, agradecendo sensibilizado a sua ceia, se estes dois cavalheiros e a jovem dama estão prontos, estamos de saída para os caminhos da escuridão, onde passaremos nossas vidas procurando o Mundo de Cima. Não que as nossas vidas devam ser muito longas, certo; mas o prejuízo é pequeno se o mundo existente é um lugar tão chato como a senhora diz.”

A Cadeira de Prata

Nárnia foi um dos primeiros livros que li após a minha conversão e, ouso dizer, um dos mais impactantes. O que parecia ser uma história para crianças transformou-se, em minhas mãos, em um guia para os mistérios de uma espiritualidade que eu estava começando a conhecer. C.S. Lewis, o autor, foi um grande escritor cristão e escondeu muitas alegorias à vida na fé em seus livros infantis. Quando não estamos em um momento ideal para consumir escritos mais profundos e teológicos, Nárnia esconde nossa dose diária de vegetais em um molho saboroso de espaguete.

Nesse trecho, as crianças estavam presas no subsolo e uma feiticeira tentava convencê-las de que o mundo “de cima” não existia, sendo apenas fruto de suas imaginações. A conclusão das crianças, no fim, é que, se a feiticeira está correta e o subsolo é tudo o que existe, elas não perdem muito ao passar o resto da vida buscando pelo mundo de cima. Decidem ignorar o que é “lógico” e seguir o que sabem ser verdade, na esperança de, talvez, encontrá-lo novamente.

Ser cristã na adolescência me trouxe muitas experiências relacionadas a esse trecho. Era comum que amigos, colegas, familiares e professores estranhassem minhas escolhas de vida. Já fazia tanto tempo desde que essas pessoas viram o “mundo de cima” que acreditavam fielmente que ele não existia. Para eles, existe somente o que se vê, e por isso a única forma racional de viver é ouvindo todos os seus desejos, colocando-se em primeiro lugar e experimentando tudo o que o mundo pode oferecer.

Acreditamos que agir conforme nossos impulsos e sentimentos seja libertador, mas, no fim, nos tornamos escravos de nós mesmos. Experimentamos tudo o que queremos e, pouco depois, essas substâncias tomam as rédeas de nossa vida. Colocamos-nos em primeiro lugar e acabamos levando uma vida vazia, fútil, sem frutos, centrada em um “deus” tão pequeno que tira o restante do significado que o mundo ainda tinha. Se esse é o “real” e Deus não existe, não perdemos muito buscando por mais.

E se Deus existe? E se cada fase da criação da vida foi planejada e movida por um Ser superior? E se for verdade que esse Criador de tudo nos ama, morreu por nós, nos guia ao que é bom e verdadeiro, e nos espera no fim da vida? Esse mundo existe e nós o chamamos de Céu.

Mesmo se meus irmãos e irmãs se esqueceram de onde viemos e para onde vamos, a imagem de uma possibilidade tão bonita é o suficiente para que eu viva por esse Deus. Essa imagem me leva a uma vida cheia, frutífera, altruísta, benéfica e serena. Uma vida bonita assim não se compara à vida que vivia sem Ele: escura, pessimista, centrada em mim mesma. Minhas escolhas nunca me tiraram a liberdade, mas me entregaram um senso de comunidade e de propósito. Não vivo por mim e isso me faz uma mulher extremamente realizada. Trabalhar para que as pessoas ao meu redor sejam felizes me faz muito feliz.

Logo, se a senhora me der licença, vou continuar o meu caminho. Não há nada que esse mundo tenha para mim que é melhor do que o que o meu Deus tem para mim. Ele me traz força, alegria, esperança, resiliência, encantamento. A cada dia conheço mais e mais pessoas incríveis que são tão bonitas, pacíficas e extremamente generosas. Pessoas que o mundo acredita não existirem mais, mas aqui existem e contemplá-las é uma lembrança de Sua bondade. A vida é livre e muito, muito bonita – mesmo sendo apenas um sinal de como será quando encontrarmos o mundo de cima.

Escrito em 02/11/2014